ALBERTO AMORIM: “Seu Fernandinho” e o Cine Fernandes

14/06/2014 10:57

Clementino Britto, grande entusiasta da arte cinematográfica dePropriá

* José Alberto Amorim

No ano de 1948 em Propriá existiam dois cinemas: Odeon ePropriá. O cinéfilo Clementino Britto Jr., ou melhor, Fernandinho, filho de rizicultor, cresceu assistindo a filmes no Cine Odeon.

Em 1950, Fernandinho inaugurou em Cedro de São João o seu primeiro cinema que após três anos, com a morte de seu pai, vende a casa de espetáculos para o fotógrafosenhor Rocha, outro propriaense apaixonadopor filmes, e volta a residir em Propriá para trabalhar na cultura do arroz. Grande entusiasta da arte cinematográfica Clementino sempre estava em contato com várias celebridades de Hollywood e personalidades internacionais, sendo correspondido com inúmeras fotos e cartas autografadas pelos famosos como: Margaret Thatcher primeira-ministra da Inglaterra, Stan Laurel e Oven Hardy ( o gordo e o magro), Charles Chaplin, dentre muitos outros.

Fernandinho então tenta comprar o cine Propriá do grupo baiano Afonso Cavalcante, porém, o seu primo Jackson Figueiredo Guimarães dá uma oferta maior e assim, adquire a sala de projeção. Mas Fernandinho não se conforma e compra cinco casas na Rua Serapião de Aguiar, e constrói o que viria a ser o melhor cinema da cidade, quiçá um dos melhores do Nordeste.

Inauguradono dia 24 de julho de 1959, o Cine Fernandes já nascia diferente do seu rival mais antigo, o Cine Odeon. O cinema contava com 800 poltronas, um palco para apresentações musicais, um mezanino onde funcionava bar e lanchonete.

Era obrigação dos viajantes e visitantes que passavam pela cidade conferir a exibição de alguma película na casa de espetáculos mais famosa da região, tomando refrigerantes e sorvetes de camarote.

O cinema mantinha todos em contato com as culturas americanas e europeias, além de possibilitar ver os ídolos do rádio. Os grandes cantores da época se apresentavam na cidade nos palcos dos cinemas Propriá e Fernandes, porém, neste último, era melhor, pois apresentava sempre uma atração pormês. Ali, passaram cantores como: Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Orlando Silva, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Valdick Soriano, Cauby Peixoto, Agnaldo Rayol, Jerry Adriane, grandes atores e comediantes, Oscarito, Grande Otelo e até artistas internacionais a exemplo do grupo mexicano Marimbas Mexicanas.

Roberto Carlos só não se apresentou no palco do cine Fernandes porque ao meio-dia já estavam esgotados todos os ingressos e o show foi transferido para o estádio do esporte Clube Propriá.

Ir aoCine Fernandes aos domingos era uma grande festa, todos vestiam sua melhor roupa para o desfile que acontecia antes das projeções, os rapazes em passeios tomando o tradicional sorvete de chocolate ou de coco pelo pavimento superior do prédio, com um sinal maroto, pediam às garotas do térreo que guardassem “suas” poltronas e ao início da música italiana, após o apagar das luzes fluorescentes e o acender das luminárias amarela, verde, azul e roxa, quando da abertura das cortinas, ouvia-se o barulho das poltronas sendo ocupadas: nesse momento quase sempre dali nasciam romances embalados pela música envolvente.

O melhor lugar para namorar era na parte térrea, logo abaixo da cabine de projeção, no “escurinho do cinema”, local conhecido comoo“ boi”  onde retratava na parede o bumba meu boi do nosso folclore. Nas laterais visualizava-se o colorido do navio “Comendador Peixoto”, que durante a festa do Bom Jesus dos Navegantes, conduzia a imagem do santo durante a procissão no leito do Rio São Francisco, em Propriá, feito pelo pintor canhobense Olívio Matias, o “mestre Olívio”, além das placas comemorativas de cantores famosos, quando das suas apresentações no palco do cine Fernandes.

Não se pode esquecer o seu Antônio “Véio” da pipoca, do senhor Manoel Joaquim Lessa, o seu” Quincas” , figura folclórica, com seu enorme chapéu e sua roupa cáqui, seu Jura e seu Tripa, fiscais de tributos da prefeitura e os “comissários de menores”, Antônio de Alexandre e Antônio Cavalcante que cumpriam a censura, seu Cícero  porteiro e,  um dos principais personagens nas projeções: seu “Nezinho”

Os maiores clássicos do cinema assistiam-se nas soirées como Ben Hour, os Dez Mandamentos e Terremoto, nas matinées um bom faroeste. Nas tardes de domingo o cinema nacional com Roberto Carlos em Ritmo de Aventura ou Mazzaropi.

Uma vez por mês, nas manhãs de domingo a alegria contagiante dos shows de auditório comandados por Antônio de Oliveira Barreto “ Totozão” e suas graciosas “totozetes” , acompanhados pelo conjunto musical os Átomos.

O Cine Fernandes além de produzir cultura e entretenimento já promovia a inclusão social, crianças carentes assistiam gratuitamente às várias programações do cinema. Fernandinho cedeu a renda do filme de inauguração “ O céu como testemunha” para colaborar com a reforma da igreja Matriz de Propriá.

Em 1982, a ilusão vinda dos filmes de Hollywood se apagou na tela do Cine Fernandes. O então Clementino Britto Jr., cedeu à tentação do lucro da poupança, beirando os 20% e, se desfez do imóvel.

* Licenciado em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA – Especialista em História da África e das Culturas Afro-brasileiras pela Faculdade Atlântico e Membro do CCP - Centro de Cultura de Propriá.